Boa Noite, Henrique. Gostaria de te fazer algumas
perguntas em relação ao seu texto e ao processo criativo que estará se
desenvolvendo por esse momento:
1. Primeiramente, me explique melhor esse título e faça
uma breve apresentação sobre o texto:
Resposta: O título é “O Segundo Sexo para leigos (Homens
(Privilegiados) por um leigo (privilegiado (homem))).". O título vem de um
dos livros base do feminismo "O Segundo Sexo" de autoria de Simone de
Beauvoir. A vontade de fazer essa peça e montar esse texto, redigir esse texto
e fazer essa investigação vêm de como a sociedade pode ser antagônica quando a
gente fala do feminismo e da necessidade social que ele apresenta. O título se
estende porque eu preciso deixar claro que eu sou um leigo no assunto, eu não
tenho vivências de uma mulher e não compreendo essa vivência profundamente e
precisei deixar isso claro no título e mais do que isso eu não posso fazer isso
para mulheres, porque elas têm o domínio do universo da peça. Então logo no
título eu precisei assumir que o texto é uma visão de fora para fora, é como eu
explicar para as pessoas machistas e de extremo conservadorismo aquilo que me
faz ser a favor do feminismo, aquilo que me faz ver a necessidade dele. Para
isso eu fui atrás daquilo que me causava empatia, montei três personagens que
poderiam carregar essas situações, ciente de que eles não englobavam e nem
poderiam englobar o universo feminino, mas pequenas situações que pudessem ser
usadas de exemplo para defender um ponto de vista.
2. Quais foram os pontos de partida para a elaboração do
texto? Com quais autores você estabelece dialogo?
Resposta: O texto parte e funciona da ideia de uma ponte.
Ele expõe questões que estão no meio e não toma bandeiras sobre o que é certo e
o que é errado diretamente, porque eu acho que a própria plateia é capaz de
chegar a certas conclusões e esse é o ponto de partida, criar uma ponte entre a
problemática apresentada (mais de uma com certeza) e pessoas que viveram,
vivem, incentivam, continuam ou perpetuam isso. Para quem já partilha das
ideias apresentadas o texto funciona como uma reafirmação, mas é para aqueles
que não se permitem pensar e ter empatia que o texto foi escrito. Informação é
necessária porque a desinformação não descansa. Se tem um autor com quem eu
faço ligações é Brecht, por conta do épico e do político. Mas mais diretamente
eu correlaciono com várias amigas que leram e me orientaram, o que foi mais
importante do que me basear em uma autor para atingir os objetivos do texto.
3. O que motivou a escolha do elenco?
Resposta: A escolha foi motivada pela necessidade dos
personagens. Cada atriz se encaixou e foi escolhida conforme a necessidade
dramatúrgica. A Nina Roberto é uma atriz empenhada que eu sei que dedicaria
tempo extra e ensaio para criar a personagem 'Mocinha Bonita' que exige uma
dificuldade extra, por ser uma personagem construída através de outro método,
as outras duas atrizes podem aplicar suas próprias vivências, a Nina é
completamente contra o discurso da Mocinha Bonita, é um discurso doloroso até,
por isso fomos por um caminho mais clássico, com criação de personagem por
Stanislavski, estímulos diversos que pudessem encaminhar a Nina até o local
necessário para que ela pudesse defender a personagem. A Ariel é caloura, mas
me demonstrou logo de cara ter a bravura necessária para fazer a 'Feminazi',
uma personagem com muitas particularidades que precisaria ter essa bravura,
porque também funciona como oposta à personagem da Nina. No meio nós temos 'A
Mulher Moderna', logo no começo do processo eu pedi para ler o texto com todas
as minhas colegas de turma, pra ver se tinha algo errado, se tinha algo que de
alguma forma não estava bem representado ou torto dramaturgicamente, a Tainá
leu a 'Mulher Moderna' e se interessou pelo papel, brilhou no papel e é capaz
de trazer uma característica carismática para o papel que não existiria sem
ela, a personagem poderia parecer menos ou uma simples intermediária entre
opostos, mas a Tainá trouxe a presença dela que é enorme para inflar o
personagem e tornar as movimentações dramatúrgicas dela bem mais brilhantes.
4. Como esta sendo a condução dos ensaios, e a preparação
do elenco no geral?
Resposta: Os ensaios ocorreram na primeira quinzena de
maneira separada, trabalhando com cada atriz em um momento. Mas a partir dessa
semana nós vamos juntar as 3 (já aconteceu e foi muito gostoso de ver). Vamos
começar a realmente levantar cenas, agora que cada uma tem um estudo maior da
sua personagem. Vamos afinar as relações e experimentar o texto em cena. Sobre
a preparação, acho que já falei um pouco sobre isso na resposta anterior. Nós
temos uma atriz indo por um método mais clássico. E duas outras indo mais em um
papel de performance, colocando a si no personagem ao invés de criar um
personagem do zero.
5. Em relação as personagens, elas são inspiradas em três
mulheres específicas de sua vida?
Resposta: As personagens são arquétipos que reúnem
características de diversas mulheres que eu conheço, de modo que eu espero que
as pessoas possam identificar nas personagens pessoas que elas mesmas conheçam
que isso possa ligar elas ao que o texto propõe. E que essa ligação faça com
que elas se questionem. Porque acredito que o papel fundamental do teatro é o
questionar. Desde minhas colegas de sala (e elas perceberam isso na leitura),
até familiares, amigas, pessoas próximas e distantes. Eu fiz uma seleção
dramatúrgica que pudesse compor de maneira satisfatória esses três arquétipos,
essas três figuras que pudessem ser humanas e não caricaturas. Essa era uma
preocupação muito grande, que não soassem caricaturas, que não soasse como se
não fosse verdadeiro ou válido. E acho que me inspirar em mulheres reais,
perguntar pra elas, por o texto pra elas lerem, modificar o texto conforme o
que elas me falavam foi o que me afastou do que poderia ser um desserviço e um
erro patético.
6. Por que da montagem nesse momento?
Resposta: Nós vivemos em um período de falsa liberdade
onde as pessoas se acomodaram na covardia. Eu acredito que houve avanços
sociais de 20 anos pra cá em todos os aspectos da sociedade, não só os
relacionados ao texto. A internet é uma maré de informação, informação e
desinformação. E hoje as pessoas podem se esconder atrás de um computador e
jogar o ódio delas aos quatro cantos. Não acho que o ódio seja uma coisa nova,
antigamente havia amparo legal para a violência doméstica, por exemplo, hoje
isso não é visto com os mesmos olhos. Mas ao mesmo tempo se antes era
necessário viver algo, investigar algo, hoje em dia as pessoas acreditam em
domínio sem questionar. Hoje em dia chegamos a um ponto de ruptura onde
precisamos escolher lados, onde poder ter uma opinião se confunde com precisar
ter uma opinião e as pessoas o fazem de maneira covarde e preguiçosa. O texto
está ligado obviamente com a minha visão e a minha vontade perante essa
ruptura, eu não sofro o que uma mulher sofre, mas isso não quer dizer que eu
não possa me sensibilizar, ter empatia ou enxergar absurdos, isso quer dizer
que eu não posso achar que eu sofro mais, porque isso é diminuir o sofrimento
dela, eu não posso achar que eu sei o que é, porque eu não senti isso na
pele... Eu preciso investigar isso, investigar e entender que eu também sou
parte dessa sociedade, que eu também tenho meu link nessa questão, se eu me
calo eu sou o opressor, se eu falo me apropriando como se fosse meu, eu sou o
opressor, se eu finjo que nada está acontecendo é como se estivesse tudo bem e
não está. Eu preciso entender qual é o meu papel nisso e meu papel não é o de
falar por falar, mas o de entender como isso me afeta e a partir da minha
experiência gerar algo. Minha experiência foi ouvir mulheres, ver mulheres,
entender aquilo que por vivencia eu não seria capaz. Entender que isso é
transformador, que se ninguém fala, que se eu não me permito entender eu sou facilmente
diluído ou guiado pelo que tá vigente e o que tá vigente tem feito mal têm sido
cruel. A partir do momento em que eu entendo o que isso é pra mim, eu preciso
decidir fazer algo com isso ou não... Mas eu não posso falar na frente, eu não
preciso falar disso pra mulheres e eu nem posso achar que eu posso mudar algum
homem. Então o texto não se trata disso, se trata de questionar, de dividir as
questões que imperam dentro de mim e a partir disso esperar que quem assista se
questione. Eu não sei qual resposta vão ter, porque isso não cabe a mim, isso
cabe a vivencia de cada um. Mas em mim eu tenho a crença que apesar de todas as
diferenças, particularidades de cada indivíduo, nós temos o mesmo valor humano
e essa é uma mensagem que tá anexado ao todo e é através disso, através daquilo
que nos une que eu pretendo atingir algo.
7. Agradecimento
Agradeço sua
disponibilidade para nos contar um pouco mais sobre esse intrigante processo e
suas ligações com mulheres diante dessa nossa sociedade machista. Desejo um
ótimo trabalho pra você e suas atrizes e que consigam colher ótimos frutos! Obrigada!